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Pelos espaços do visível e do intangível

Talitha Motter

 

O primeiro desenho a ser visitado de Marcos Fioravante é o “43A”, trabalhado, como os demais desenhos que vem desenvolvendo desde 2011, em tons monocromáticos obtidos pelo pastel seco. A superfície de “43A", com o uso do pastel, atrai nosso sentido do tato e ao tocarmos, percebemos que não adentramos naquele ambiente. Quando nos voltamos mais propriamente para o espaço do desenho, que é identificado por essa bidimensionalidade e pelas “ações de ocupação e cultivo de uma superfície” (FIORAVANTE, 2013a, p.20), independentemente do que venha a figurar, vemos uma gama de tonalidades, áreas em que a massa gráfica se adensa e outras em que ela se rarefaz. Ainda, caminhos abertos, entre os meios tons de negro, são percorridos pelo olhar. E assim, esses 1.200 cm2, cultivados pelas escolhas e decisões de Marcos Fioravante, começam a indicar a existência de um outro espaço – o da imagem, onde as formas têm faces intocáveis e medidas inverificáveis.

 

Para a construção dele, o artista parte de um banco de referências, constituído, por exemplo, de recortes de revistas, imagens de catálogos de arquitetura, fotos de exposições, de viagens, de ateliers, enfim, de espaços que o circundam no seu dia-a-dia. Marcos Fioravante (2013b), inclusive, comenta que a reflexão sobre o desenho alterou a sua relação com o entorno, fazendo com que ficasse atento às possibilidades de transformá-lo em desenho. A própria escolha da imagem utilizada como fonte para o desenho, entre as tantas presentes em seu banco, é percebida como um procedimento gráfico. Pois, o artista desenha um percurso, estabelecido entre as suas diversas ações, de selecionar, recortar, imprimir e de projetar luminosamente a imagem sobre a folha branca do papel.

 

E é interessante observar que se há um espaço do desenho e outro no desenho, há também aquele próprio da fotografia, que servirá de material para o artista. Nele, criar significa enquadrar (ROUILLÉ, 2009), o que ausenta a possibilidade de qualquer objetividade. Após o enquadramento realizado pelo artista, quando utiliza de suas fotos, ou a apropriação de uma outra imagem (com enquadramento próprio, mas que é ressignificada por ter sido resgatada do oceano de imagens), Marcos, ainda, seleciona o que permanecerá e o que será subtraído de sua referência, para, enfim, projetá-la e construir as estruturas do/no desenho.

 

Nessa “passagem" do “real” para o desenho, há, assim, a intermediação dada pela fotografia, não a fotografia-documento, como define André Rouillé (2009), pois o material utilizado pelo artista não transmite o real fielmente, mas sim o substitui. O que nos é mostrado, ao final, é a substituição da substituição de algo que não temos mais, pois quando retornamos a ele nosso olhar já é outro, alterado pelo desenho. O título “43A", para aqueles que estudaram no Instituto de Artes da UFRGS, logo remete ao atelier de desenho, assim denominado. Mas, nem ali no desenho, nem na fotografia, temos a representação dessa referida sala: temos sim a apresentação dessa outra coisa, que possui autonomia em relação àquele ambiente físico.

 

Além dos trabalhos que apresentam interiores, Marcos também realiza desenhos de fragmentos isolados de uma imagem. No caso de “Plataforma de desenho”, a base para os modelos posarem da sala 43A apresenta-se monumental, ocupando sozinha, de forma centralizada, a folha branca. A plataforma sofreu um processo de “suspensão”, “por esse isolamento, por esse fundo infinito, essa ausência de uma base, de uma coisa que sustente. Mas, também, a suspensão de tempo, que também vem um pouco da fotografia [...]”, conforme depoimento do artista (FIORAVANTE, 2013b). Essa solidão, potencializadora das formas, acaba por exprimir a força individual desse objeto. Ele permanece, mesmo na falta de seu entorno. Sobre isso, o trecho do livro “O ateliê de Giacometti” de Jean Genet (2003, p.45) elucida de maneira singular, através da voz do escultor:

 

Um dia, no meu quarto, ao olhar para uma toalha sobre a cadeira, tive a nítida impressão de que não apenas cada objeto estava só, como tinha um peso – ou melhor uma ausência de peso – que o impedia de pesar sobre o outro. A toalha estava só, tão só que eu tive a sensação de poder retirar a cadeira sem que a toalha se movesse. Ela possuía seu próprio lugar, seu próprio peso, e até seu próprio silêncio.

 

Agora, se pensarmos no espaço do desenho: a grande área em branco afirma a importância da folha, remete à planaridade do papel. Dessa forma, fica claro que o desenho se estabelece a partir da relação entre o agir do artista sobre a superfície e a área complementar que surge. De acordo com Marcos Fioravante (2013b), quando fala sobre o porquê da importância do papel: “ele responde, ele completa, a tua inscrição”. E esse ato de inscrever chega a ser mesmo contraditório, quando o artista preenche para formar o vazio de piscinas ou dos entre prédios, vãos abertos na tridimensionalidade, mas que são gráficos, plenos no espaço do/no desenho.

 

 

(Talitha Motter é editora e curadora. Texto completo publicado na edição n.1 de jul. de 2013 da Arte ConTexto, disponível em:

http://www.artcontexto.com.br/artigo-edicao01_aposta_marcos.html​)

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